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“Este profícuo caminho sobre a compreensão da multiparentalidade em nosso sistema jurídico apresenta ainda mais uma parada antes das suas conclusões. Um momento específico para refletir sobre o tratamento do tema no Estado de Louisiana (EUA), paradigma destacado no voto do relator da matéria quando do julgamento do RE 898.060; afinal, não é possível incorrer no erro de se importar acriticamente institutos e soluções desconectadas da evolução social e doutrinária de nosso meio. Ao estabelecer, como premissa, a relação necessária entre multiparentalidade e socioafetividade, sustentando que esta antecede àquela, Fabíola apresenta perspectiva fundamental para a compreensão de seu pensamento, num momento histórico de pouco debate acadêmico sobre os limites e possibilidades da multiparentalidade. Conclui que em vários aspectos, a decisão do STF em análise não considerou adequadamente a sólida produção acadêmica sobre a filiação socioafetiva e sua distinção com o direito ao conhecimento de ascendência genética que havia décadas vinha sendo empregada em nosso país. É justamente através da interlocução entre multiparentalidade e socioafetividade que a autora propõe uma interpretação adequada à criação de limites para a aplicação da multiparentalidade, que, em sua compreensão, deve ter aplicação excepcional, restrita a situações nas quais o sistema jurídico não apresenta resposta adequada para o conflito entre as parentalidades socioafetiva e biológica. Aqui reside uma importante contribuição da autora, que mesmo restringindo sua análise aos efeitos da multiparentalidade no direito de família, propõe premissas que igualmente podem ser aplicadas às repercussões do instituto nos direitos sucessórios”.
O fenômeno de contratualização das relações familiares e das relações sucessórias, tão bem caracterizado na presente obra, confirma a versão de que, no hodierno marco político e jurídico vigente, o Estado somente deve limitar as liberdades individuais em nome de iguais liberdades individuais, ou seja, na exata medida da proteção da vulnerabilidade, seja em qualquer uma de suas possíveis facetas. Na ausência da necessidade de tutela de vulnerabilidades, o Estado deve sobrelevar seu compromisso democrático de valorização da autonomia dos indivíduos na condução de seus interesses individuais, em nome da defesa de um projeto constitucional ancorado sobre as bases do pluralismo e da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, os contratos, como a mais importante expressão da tradicional categoria dos negócios jurídicos e da força jurígena da autonomia privada, impõem-se como instrumento necessário para realização do projeto familiar e sucessório dos indivíduos, quer seja na planificação de interesses existenciais, como o planejamento familiar e a gestação de substituição, ou de clássicos interesses patrimoniais, tais como a escolha do regime de bens do casamento e da união estável até a ampliação da natureza jurídica do pacto antenupcial na atual configuração do casamento. A tendência à privatização da família chancelada pela Emenda Constitucional 66 acabou por transferir o controle da desconstituição familiar para os próprios membros: liberdade e responsabilidade caminham cada vez mais juntas, sendo que cônjuges e companheiros, a partir de uma arquitetura do projeto de vida individual e familiar construído no decorrer do relacionamento é quem devem definir os rumos familiares, a permanência ou não de vínculos pautados no afeto e em outros valores relevantes para si. Não há dúvidas de que há limites a esse movimento, principalmente quando estão em jogo situações jurídicas existenciais e vulnerabilidades, ou seja, em algumas circunstâncias, a responsabilidade com a alteridade deve ser prioritária a qualquer movimento que busque a negociabilidade. As coordenadoras buscaram reunir nesse livro algumas reflexões com o escopo de problematizar dilemas numa “zona cinzenta” interdisciplinar, ou seja, pretenderam problematizar espaços de autonomia negocial tanto no Direito de Família quanto no Direito Sucessório, a partir de novas demandas sociais e realidades familiares. O fio condutor que permeia tais reflexões é exatamente esse: no século XXI, como se revela a tensão entre ordem pública e autonomia privada? Quais são as possíveis soluções para problemas derivados dessa tensão, frente à crescente necessidade por espaços de liberdade no âmbito das relações familiares e do direito sucessório? Fica o convite para que o leitor possa nos acompanhar nessa trajetória de questionamentos e problematizações e o agradecimento aos autores e à editora Foco, por estarem conosco nesse projeto tão instigante.
ISBN: 2050
Tamanho: 24 x 17 cm